Decano na Santa Sé é angolano
Pela primeira vez, um decano do corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé é africano. Esse posto é hoje ocupado por um angolano.
Foi nessa qualidade que o embaixador Armindo do Espírito Santo sublinhou, segunda-feira, no Vaticano, a importância da institucionalização pelo Papa Francisco do jubileu extraordinário da misericórdia, “num mundo carente de paz e de perdão”, durante a cerimónia anual de apresentação de cumprimentos de ano novo pelo corpo diplomático ao chefe da Igreja Católica.
Em declarações ontem, por telefone, ao Jornal de Angola, o decano embaixador Armindo do Espírito Santo considerou “ser gratificante” dirigir-se “a Sua Santidade o Papa Francisco em nome de toda a comunidade de países que constituem o amplo corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé”.
Armindo do Espírito Santo considerou ainda ser “uma honra para o nosso país ser Angola a representar toda a África no seio deste vasto corpo diplomático distribuído por mais de 180 países” e exprimiu, por fim, a sua “satisfação pessoal por poder elevar tão alto o nome da diplomacia do nosso país”.
No seu discurso, segunda-feira, em Roma, na qualidade de decano junto da Santa Sé e em representação de mais de 180 países, o embaixador angolano sublinhou que o ano de 2015 foi marcado pelo recrudescimento de muitos conflitos em todos os continentes, mas que, “apesar das significativas situações trágicas que ocorrem pelo mundo, não pode deixar de ser recordada a institucionalização, pela Bula Papal, do Jubileu Extraordinário da Misericórdia num mundo necessitado de paz e carente de perdão”.
“A Vossa oportuna mensagem, ao referir que o mistério da misericórdia é fonte de alegria, de serenidade e de paz,e que é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida, é luz que procura iluminar as consciências teimosamente mais adormecidas”, declarou o decano do corpo diplomático. O diplomata angolano acrescentou que no “Sínodo da Família”, que decorreu em Outubro de 2015, foi uma ocasião especial, “na qual a Igreja confirmou o amor que reserva a cada pessoa, em diferentes situações experimentadas no decorrer da sua secular existência”.
Viagens apostólicas
Na sua intervenção, Armindo do Espírito Santo sublinhou que no decurso das viagens apostólicas aos vários continentes, o Papa Francisco enalteceu, na Ásia, a importância da compreensão e da cooperação entre as nações, transmitindo simultaneamente aos jovens “o amor e a esperança que a Igreja neles deposita” para um mundo de paz e de concórdia. Na Europa, disse, enfatizou que, na sequência dos conflitos vividos no século passado, “tornou-se possível promover o diálogo e a convivência pacífica”.Nas Américas, realçou como o conhecimento da história e das raízes “constituem fontes de inspiração para a edificação da paz” e que foi neste contexto e graças ao “inestimável e reconhecido contributo” do Papa Francisco que se assistiu ao restabelecimento de laços interrompidos durante décadas entre Cuba e os Estados Unidos. Em África, ao abrir em Bangui a primeira Porta Santa do Jubileu da Misericórdia, “Vossa Santidade coroou o caminho de esperança” e “com esse gesto mostrou ao mundo que o coração da Igreja está em todos os lugares, principalmente junto dos que mais sofrem”, prosseguiu Armindo do Espírito Santo.
O decano enfatizou ainda que, perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, o Papa Francisco ampliou os horizontes de reflexão, destacando o “direito do ambiente” como um direito fundamental do homem.
Viver em comunhão
O decano e diplomata angolano falou ainda do terrorismo e da intolerância que hoje assumem uma dimensão a nível planetário “e lamentavelmente ganharam maior espaço no ano que findou, nomeadamente sob a forma de perseguições de carácter religioso”. Armindo do Espírito Santo disse, por isso, que “é mais do que nunca actual a Declaração ‘Nostra Aetate’ sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs”, que completou 50 anos e na qual “o Beato Papa Paulo VI recordava que a Igreja impulsiona os homens a juntos viverem o seu destino comum”, disse.
Apesar dos esforços, Armindo do Espírito Santo disse que se constata, com consternação, a existência e ampliação de conflitos em várias regiões do mundo. Ao citar as palavras do Papa, sublinhou que “utilizar o nome de Deus para justificar este caminho é uma blasfémia”.
O embaixador Espírito Santo recordou que de há seis séculos a esta parte, mais precisamente, a 27 de Março de 1416, nascia São Francisco de Paula. De acordo com a sua biografia, consta que, em certa ocasião, ao ouvir de alguns pobres trabalhadores nada terem para compartilhar, Francisco de Paula convidou-os a verificar os seus sacos, onde encontraram maravilhados pão fresco. “Possa também o mundo perceber, tal como Vossa Santidade vem reiteradamente afirmando, que há sempre algo a ser partilhado, para que possamos todos encontrar o pão, que sacia as necessidades humanas”, disse a concluir.
Mensagem do Papa
Em resposta à mensagem de cumprimentos do corpo diplomático lida pelo embaixador de Angola, o Papa Francisco alertou para as consequências que reacções de medo e preconceito face aos refugiados podem ter nos fundamentos e valores da Europa.
“A actual vaga migratória parece minar as bases daquele espírito humanista que a Europa ama e defende desde sempre”, afirmou Francisco, perante representantes de 180 Estados, bem como da União Europeia, da Palestina e da Ordem Soberana de Malta.
No seu longo discurso, o pontífice argentino aludiu a um “fluxo impressionante de refugiados” e aos “desembarques maciços” nas costas do Velho Continente, que parecem estar a “fazer vacilar o sistema de acolhimento” construído depois da II Guerra Mundial. O jornal do Vaticano “L’Osservatore Romano”, destacou na sua edição de terça-feira a evocação pelo decano do famoso milagre de São Francisco de Paula, a fim de exprimir os votos de que todos possam encontrar o pão a ser partilhado para saciar as necessidades dos homens.