Intervenção na IIIª Conferência da Revista África Hoje

Ex.mo Sr. José Tadeu Soares

Secretário Executivo Adjunto da CPLP

Ex.mo Sr. Alfredo Antas Telles

Vice Presidente do ICEP

Ex.mo Scnhor Iglésias Soares

Presidente do IPAD

Ex.ma Sr.ª. Cláudia Cardoso

Vice Presidente do ICED

Digníssimos Representantes dos Governos de Angola

Cabo Verde, Moçambique e S. Tomé e Príncipe.

Minhas Senhoras e meus Senhores:

É com grata satisfação que intervenho nesta III ª Conferência da Revista África Hoje – “Oportunidades de Negócios Investimentos e Parcerias” – Abordando mais especificamente, a temática “A Dimensão Social e Humana da Cooperação”, para a qual a organização deste importante Evento solicitou a minha colaboração… o que desde já muito agradeço.

Decidi então responder afirmativamente ao simpático convite que me foi endereçado pelo Dr. Albérico Cardoso, Director da Revista África, a quem, uma vez mais, felicito por esta importante iniciativa.

Como todos sabemos da observação atenta dos fenómenos Políticos, Económicos e Sociais, é por vezes em fóruns como este que se procuram e se encontram soluções para os graves problemas vivenciados pelos países em desenvolvimento, como é o caso específico de Angola. Tem sido, em ocasiões deste tipo que, por vezes, se criam as sinergias necessárias para o diálogo, para o estabelecimento de correntes para o partenariado e consequentemente, para a realização de negócios.

Daí que, como Embaixador da República de Angola, fiz questão em estar aqui hoje, pessoalmente, neste importante evento, onde se discutem assuntos relevantes para o futuro dos nossos povos e países.

Encontrámos, com satisfação, nesta III Conferência, distintas individualidades em representação dos seus Estados, várias associações da sociedade civil, bem como outras personalidades de países amigos com quem já nos entendemos desde há muito e numa mesma língua. Pois, se é certo que, em Português nos entendemos, não me restam dúvidas, que unidos por este mesmo idioma, se poderão realizar os investimentos e parcerias estruturantes, profícuas e mutuamente vantajosas. Tal poderá ocorrer tanto a nível estatal – através da tradicional cooperação bilateral e/ou multilateral no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) – tanto em parceria com o sector privado – através da cooperação com as várias organizações da sociedade civil.

Recentemente, no passado dia 11 de Novembro, comemorámos o vigésimo nono aniversário da Nossa Independência, sob o signo da estabilidade e com legítimas esperanças num futuro de harmonia nacional, desenvolvimento e progresso social.

Pois… contrariamente ao que sucedia antes, temos hoje um PAÍS PACIFICADO.

Estamos a caminho da normalização das nossas instituições políticas e sociais e temos vindo a procurar reforçar o papel da nossa jovem democracia…

Contrariamente ao que se tornava impossível fazer antes, hoje pensamos afincadamente na recuperação da nossa economia e enfrentamos com coragem os graves problemas sociais com que ainda debatemos.

Quase quatro décadas sucessivas de conflitos armados em Angola… resultaram na destruição de muitas das nossas infraestruturas, na desestruturação do tecido social de populações já antes carenciadas, no agravamento das situações de pobreza, na desertificação dos campos de cultivo, no crescimento anormal das cidades, na falta de assistência médica e medicamentosa, na dificuldade de implantação de uma rede escolar para funcionamento do ensino obrigatório…

Hoje, seriamente empenhados no processo de reconciliação e de reconstrução do nosso País, mais do que nunca entendemos o real valor do primado da paz, bem como ainda o sentido e a importância da palavra cooperação.

No plano internacional, esta tem sido entendida como uma forma de auxílio mútuo económico e de assistência técnica, onde se deverá manter sempre uma relação de horizontalidade entre os países que a oferecem e os que dela beneficiam. Ou seja, entre aquele (ou aqueles) que assistem e aquele (ou aqueles) que são assistidos. Do ponto de vista económico, a cooperação não deixa de ser vista como uma forma de organização e de acção económica, através da qual pessoas ou grupos se associam ao nível da sua actividade económica, com base num mesmo interesse comum e visando vantagens recíprocas.

No fundo, cooperar é operar em conjunto, agir juntamente com alguém, juntar esforços para um fim determinado. Por definição, a cooperação tem um carácter e uma essência marcadamente social e humana, que deverá ser alheia ao espírito de conflituosidade e rivalidade. Contudo e apesar de haver uma aliança indissociável entre as vertentes económica, política e social nos aspectos ligados à cooperação, por vezes “ao debruçarmo-nos sobre os problemas do desenvolvimento-tanto [nos países pobres, como nos já industrializados] procura-se menos na economia o sentido da totalidade social, do que na totalidade social o sentido da economia” como veio a afirmar o economista Adelino Torres, na sua obra Horizontes do Desenvolvimento Africano no Limiar do Século XXI. Isto reflecte que, ainda nos dias de hoje, é atribuído um peso muito baixo à componente social e humana nas acções de carácter económico no nosso continente.

O eminente pensador e historiador burkinabe, Joseph Ki-Zerbo, na sua apologia do desenvolvimento endógeno em África e referindo-se à cooperação com os países industrializados, sustenta o seguinte:

“ Em qualquer dos casos, nenhuma transferência mecânica com qualquer meio resolverá algum problema do desenvolvimento endógeno: A ajuda estrangeira, o comércio e a injecção de tecnologias ou expertises, após mais de trinta anos de experiências em África, produziram resultados magros ou contra-producentes, para não dizer geradores de um verdadeiro coma económico.”

Por exemplo-continua Joseph Ki-Zerbo- “A política de deslocalização industrial a favor dos países que desenvolvem a industrialização da exportação sob a batuta das multinacionais, deram resultados espectaculares na Ásia no plano dos indicadores macro-económicos, mas com níveis de desempenho muito limitados (…)” no nosso continente.

Também o Professor Hermano Carmo, um académico ligado à sociologia política, numa intervenção no âmbito do “1º Congresso Internacional sobre a Guerra Colonial: realidade e ficção”, promovida pela Universidade Aberta, num texto intitulado Hipóteses dos Portugueses no processo de reabilitação no pós-guerra, destacou o facto da cooperação, como instrumento de mudança ter que, necessariamente, ser regida por dois princípios norteadores: o princípio da eficácia e o princípio da eficiência.

A eficácia remete-nos à planificação das actividades a realizar, o que pressupõe a identificação de alvos a atingir e a congregação de esforços para a realização de acções comuns. Tal implica naturalmente, uma concertação de ideias e vontades para que, entre o sistema cooperante-interventor e o sistema – cliente, se exerçam papéis de sustentação e não de simples entrega sob encomenda. Apesar de séculos de contacto comum, de uma mesma língua e de um elevado grau de afectividade entre os nossos povos, temos ainda muito a fazer para que, mutuamente, nos possamos conhecer mais e melhor. “ A empatia é a pedra de toque necessária, para que os projectos não caíam em saco roto”, como tantas vezes ocorre, por falta de conhecimento da cultura dos grupos-alvo.

A cooperação não pode, de modo algum, ser entendida como uma simples entrega de encomenda ao domicílio. Na acepção mais fria calculista e insolidária do Give and Take… do toma lá dá cá, semouvir antecipadamente o pronunciamento daqueles que vão beneficiar dos projectos.

No seu livro Desenvolvimento Comunitário, Hermano Carmo apresenta-nos um exemplo concreto que, dada a oportunidade e a necessidade de melhor ilustrar o que acabo de afirmar, passo, de imediato, a relatar na íntegra, refere-se ao caso da construção de balneários e lavadouros, numa localidade de um determinado país em desenvolvimento.

“No âmbito de um programa de saúde pública promovido pela administração desse país/ um engenheiro obviamente menos conhecedor da realidade local projectou e construiu um equipamento para uma aldeia, que combinava balneários e lavadouros. Tal empreendimento obedecia aos critérios de economia e de espaço a que ele estava habituado. Deste modo mandou implantar os lavadouros lado a lado virados para uma parede onde foi instalada a canalização que os servia e que, simultaneamente, abastecia o conjunto de balneários construídos do outro lado da referida parede. O desenho do projecto permitiu uma construção a baixo custo e uma poupança de tempo às mulheres, as quais passaram a dispor de acesso imediato a água potável junto das suas habitações em vez de terem, penosamente, de ir ao rio lavar a roupa, lavar-se e abastecerem-se de água para a confecção de refeições. Qual não foi o espanto do engenheiro quando verificou que as mulheres, longe de lhe agradecerem a obra, o acusaram de as estar a castigar. Questionadas, explicaram que seriam obrigadas a trabalhar voltadas para a parede, tal como os seus filhos quando se portavam mal e eram, deste modo, punidos pelo professor. Além do mais acrescentaram que as novas instalações não lhes permitiam conversar comodamente enquanto lavavam a roupa.”

Ora esse protexto, digamos assim, aconteceu porque o referido engenheiro e a sua equipa se haviam assumido de forma sobranceira como recursos únicos do processo de intervenção social.

Deliberadamente, desprezaram a opinião do sistema-cliente sobre as suas próprias necessidades. Limitaram-se, no fundo, a estabelecer dois tipos de juízos: o de que qualquer mudança é boa e o de que os interventores sociais podem prescindir da opinião das populações dada a sua superior capacidade tecnológica. O falhanço destes dois pressupostos acabou por levar ao fracasso da intervenção.

Todas essas considerações foram tecidas, para realçar a importância do princípio da eficácia, que referi atrás.

Quanto ao princípio da eficiência, este remete-nos para a optimização dos resultados em relação aos recursos disponíveis e para a sua respectiva hierarquização. A identificação dos recursos disponíveis corresponde também a um acto eminentemente humano, que exige competência técnica, criatividade e inteligência emocional. Quanto à hierarquização dos recursos é uma questão a ser levada em linha de conta, dado que os mesmos à partida, são sempre escassos, sobretudo, num país devastado por uma sucessão de conflitos armados.

É nesta conformidade, que todas as acções indispensáveis à reconstrução do pós guerra (avaliação das necessidades e recursos, planificação das acções, captura de meios, sensibilização da opinião pública local, nacional e internacional, implementação dos projectos) dependem não só de decisores políticos (nacionais e internacionais) e de empresários, mas também, dos próprios cidadãos. Se estes, por razões de ordem cultural, não reconhecerem a utilidade das acções realizadas, acabam por pôr a eficácia dos projectos em causa, como vimos anteriormente. No fundo, é algo que se supera e se deve superar com o conhecimento antecipado da cultura dos grupos populacionais a beneficiar, com acções de sensibilização e com prévia negociação.

Como afirma ainda Hermano Carmo a cooperação internacional deverá estar direccionada para a mudança e terá que assentar num quadro estratégico, que tenha como alvo fundamental “(…) privilegiar o investimento nos recursos humanos, não só em acções pontuais de emergência, mas também em projectos estruturantes, orientados para a necessidade de se investir na formação de quadros locais, nomeadamente, na de professores e outros formadores, com vista à autonomização a médio prazo, de centros de excelência para o desenvolvimento, de recursos humanos nacionais, regionais e locais, numa moldura estratégica de desenvolvimento sustentado”.

Na realização de uma política de cooperação há, pelo menos, cinco princípios básicos fundamentais a serem levados em conta, para que a mesma não crie efeitos preversos de dependência nas populações e possa gerar situações de mudança não sustentada com inevitáveis agravamentos a médio prazo:

Eis os cinco princípios a que me referi:

-O princípio da reciprocidade onde, as partes envolvidas, reconhecem vantagens mútuas e superam desconfianças fúteis, que resultam da colonização;

- O princípio da adequação, que recomenda que a cooperação seja de acordo com as necessidades e recursos existentes e não por imposição de interesses alheios às finalidades pretendidas;

- O critério da economia, que defende que, em igualdade de circunstâncias, se devem usar sempre as estratégias mais baratas, aquelas com que os agentes estejam mais familiarizados e/ou aquelas que disponham de maiores infra-estruras;

- O critério da interactividade, que apela para uma interação mínima entre cooperantes e as populações beneficiadas, a fim de se evitarem filtros comunicacionais e favorecerem as acções de cooperação;

- O critério da alternativa, pelo qual cada objectivo da cooperação terá que desenhar várias soluções, de modo a que se possa escolher a melhor de acordo com as circunstâncias.

Minhas Senhoras e meus Senhores:

Como puderam verificar, há muito trabalho a fazer em Angola. Estamos em tempo de consolidação da nossa estabilidade e também em tempo de reflexão sobre o nosso futuro. Em tempo de concepção e implementação de projectos de desenvolvimento. Em tempo de estabelecimento de parcerias, de selecção daqueles países amigos que pretendemos estejam connosco nesta fase crucial de reconstrução Nacional. Porém, é preciso ter em conta que sempre que a cooperação é imbuída de uma filosofia social e humana, alcançamos com mais facilidade, quase com plenitude os objectivos prosseguidos. Seguramente… que, nenhuma cooperação, seja ela de que cariz for, será suficientemente profunda e duradoura, se não estiver assente em fortes laços de solidariedade de valores humanistas. Se não encarar o Homem, a sua identidade, a sua idiossincrasia, o seu apetrechamento técnico-científico, como factor essencial para a obtenção de um desenvolvimento harmonioso, sustentável e endógeno.

Muito obrigado pela atenção dispensada.

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