Angola pede na ONU um mundo mais justo
A ministra da Família e Promoção da Mulher, Filomena Delgado, pediu ontem em Nova Iorque, durante o debate aberto no Conselho de Segurança da ONU, uma nova consciência sobre o papel crucial das mulheres na vida social, política e económica, como forma de garantir uma contribuição concreta na construção de um mundo mais justo e pacífico.
Ao dirigir-se aos 15 membros do Conselho de Segurança e demais convidados ao debate aberto, a ministra da Família lembrou que as mulheres e as crianças são as principais vítimas nos conflitos armados de hoje e a sua participação nestes processos torna-se uma questão crucial. “As suas vozes devem ser ouvidas na prevenção de conflitos, na negociação de acordos de paz, e assegurar que os seus interesses sejam tidos em conta na reconstrução pós-conflito”, disse Filomena Delgado, sublinhando que é de importância crucial que os mecanismos institucionais estabelecidos em África promovam um ambiente propício para uma participação significativa das mulheres na paz e segurança, reafirmando o compromisso total dos Estados africanos para com este objectivo.
Filomena Delgado lembrou que o “Estudo Global” refere casos paradigmáticos na Libéria, Quénia e Burundi, onde grupos de mulheres alcançaram resultados significativos através do exercício de forte influência nos processos de negociação, exercendo pressão para o início e conclusão de negociações. Em alguns casos, disse a ministra, os grupos mobilizaram-se para a assinatura de um acordo de paz, ou alternativamente, a promoção de medidas para evitar um novo ciclo de violência, combatendo as causas profundas dos conflitos e contribuindo assim para mudar as relações de poder na sociedade.
No segundo e último debate aberto da presidência angolana no Conselho de Segurança das Nações Unidas, Filomena Delgado afirmou que a participação das mulheres na prevenção e resolução de conflitos pode assumir diferentes formas e dimensões. Citou o envolvimento directo em negociações formais de paz, comissões consultivas, tomada de decisões sobre políticas públicas, diálogos nacionais, consolidação da paz e reformas abrangentes, levando a processos de democratização.
Linguagem sensível ao género
Adicionalmente, referiu a ministra, além de “garantir a inclusão de linguagem sensível ao género nos acordos de paz, as mulheres podem trazer muito mais do que questões de género para a mesa de negociações, ao incutir a abordagem holística que um processo de paz implica”.
“A Carta Africana sobre os Direitos das Mulheres, a Declaração da União Africana sobre a Igualdade de Género e o Programa Quinquenal de Género na Paz e Segurança, bem como a ênfase na liderança das mulheres em questões relacionadas com a paz e a segurança são realizações que traduzem uma consciência renovada sobre o papel essencial desempenhado pelas mulheres”, afirmou Filomena Delgado. Na presença do representante permanente de Angola junto das Nações Unidas, embaixador Ismael Martins, a ministra lembrou que o Conselho de Segurança está a lidar com um grande número de conflitos através da implementação de meios militares consubstanciados em operações de manutenção da paz, após a assinatura de acordos de paz, para gerir situações de pós-conflito.
Número de missões especiais
O Conselho de Segurança também estabeleceu um número de missões especiais políticas de natureza preventiva e o Secretário-Geral ou os seus enviados têm envidado bons ofícios e esforços de mediação, procurando evitar a eclosão de conflitos, sublinhou.
Na busca de meios mais eficazes para lidar com situações de conflito, lembrou a ministra, o Secretário-Geral lançou, em 2015, três grandes revisões de Paz e Segurança: O Painel Independente de Alto Nível das Nações Unidas sobre Operações de Paz; o Grupo Consultivo de Peritos para a Revisão da Arquitectura de Consolidação da Paz; e o Estudo Global sobre a Implementação da Resolução 1325 do Conselho de Segurança, sobre Mulheres, Paz e Segurança. “As Revisões concordaram com o postulado de que a maior responsabilidade da comunidade internacional é a prevenção de conflitos armados, destacando a necessidade crítica de um maior investimento em estratégias de prevenção”, disse. As revisões salientaram ainda o valor acrescentado da Agenda “Mulheres, Paz e Segurança” na prevenção de conflitos, e o potencial de alerta precoce na análise sensível do género, ao identificar os factores de conflitos como a dinâmica da mudança, ou seja, ao nível das relações familiares e da Comunidade, referiu.
Além disso, explicou, a realidade mostrou que a prevenção de conflitos pode ser muito melhorada com a inclusão de mulheres, dado o seu conhecimento das bases, especialmente no fornecimento de indicadores relevantes para lidar com as ameaças de conflitos e para a implementação de medidas preventivas. Por outro lado, afirmou, o “Estudo Global sobre a Implementação da Resolução 1325 reconhece a importância de reforçar o papel das mulheres e da sua participação em todas as fases e níveis de processos de paz, dado o seu potencial para acelerar a consecução de soluções para os conflitos e a sustentabilidade da paz”.
Filomena Delgado falou da experiência angolana e afirmou que as mulheres tiveram uma participação decisiva em todos os esforços para a consecução da paz. A ministra lembrou que o período imediato de pós-conflito contou com o envolvimento directo das mulheres na consolidação da paz e reconstrução nacionais.
“As mulheres foram fundamentais na prestação de apoio psicológico para as vítimas do conflito armado, como conselheiros de paz, reconciliação nacional e cura social”, disse, acrescentando que o Governo estabeleceu centros de aconselhamento para aumentar a consciência sobre os seus direitos económicos, sociais, políticos e civis, e como uma ferramenta para a participação das famílias no desenvolvimento do país. “Através de parcerias com organizações da sociedade civil, têm sido implantados esforços a fim de fortalecer a participação feminina na vida política e económica do país”, destacou, para mencionar ainda a criação da ONG “Raízes da Paz”, que tem como objectivo reunir as mulheres de todos os partidos políticos representados no Parlamento, para participar nos esforços de consolidação da paz e da democracia.
A ministra falou ainda da Associação “Ele por Ela”, estabelecida para sensibilizar os homens no sentido de erradicar todas as formas de violência baseada no género e lembrou que Angola tem desempenhado um papel na preservação da paz e segurança em África, especialmente na região dos Grandes Lagos.
O fim de um sonho
No dia do debate aberto sobre “Mulheres, Paz e Segurança”, uma lusófona merece ser lembrada. Raquelina Langa, 20 anos, que morreu na sexta-feira, de doença, em Maputo. A jovem ficou célebre ao perguntar ao Secretário-Geral da ONU, em 2013, durante a visita de Ban Ki-moon à sua escola, o que devia fazer para um dia ser Secretária-Geral da organização. O chefe da ONU disse ter sido inspirado pela jovem, então com 16 anos, a apelar às mulheres a sonhar grande. No ano seguinte, Raquelina visitou a sede da ONU, na qualidade de convidada especial do Secretário-Geral da ONU. A partir de então, fez da luta contra a violência contra a mulher uma das suas bandeiras.
Ao pensar na jovem moçambicana, Ban Ki-moon disse ter sido um bom momento para que, depois de sete décadas das Nações Unidas, se considerasse uma mulher para liderar a organização. O chefe da ONU declarou que quis enviar uma mensagem forte ao mundo de que através da sua resposta e da pergunta de Raquelina, uma mulher podia tornar-se Secretária-Geral. Ban Ki-moon apelou às mulheres a “sonhar grande, de forma ambiciosa e, ao mesmo tempo, prática” sobre como tornar-se uma Secretária-Geral. Em declarações à Rádio ONU, o professor Ernesto Ngomane, que acompanhou Raquelina nas Nações Unidas, quando ela foi convidada especial do Secretário-Geral, Ban Ki-moon, em 2014, disse que ela estava a sofrer de crises que a impediram de iniciar as aulas em Fevereiro.
“Uma vez hospitalizada, ela teve de receber soro porque já vinha muito fraca e estava com problemas de falta de sangue. Durante a noite de quinta-feira recebeu soro. A família quando a deixou no hospital recebeu a informação que depois devia receber sangue. Foi orientada a regressar ao hospital na manhã do dia seguinte, Sexta-Feira Santa. Quando a família lá foi a notícia que teve é que ela já tinha perdido a vida”.
O sonho terminava, mas ficava a mensagem de esperança e de coragem, exemplo para as mulheres de todo o mundo. Ontem, representantes dos 15 Estados membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas apoiaram a iniciativa de Angola em dar mais voz às mulheres. Na sala ainda se destacavam mais homens que mulheres. Mas a pequena Raquelina Langa fez-se gigante. E todos lembraram a sua imagem frágil, nos corredores das Nações Unidas, e as suas palavras envoltas num sorriso triunfal: “Fui corajosa para enfrentar esta batalha e não seria medrosa para enfrentar as outras que estão a vir por aí.”