Criadores ganham medalhas
O fantástico mundo da ciência e tecnologia foi percorrido por uma delegação de 11 criadores angolanos em apenas quatro dias, tempo que durou a prestigiada Feira de Ideias, Inovações e Novos Produtos (IENA), que encerrou ontem, em Nuremberga, Alemanha, onde conquistou oito medalhas, duas das quais de ouro.
A conquista de oito medalhas, que vêm juntar-se às 38 que já estavam na galeria de troféus arrebatados por Angola na feira alemã, é mais um convite aos empresários nacionais voltado para a necessidade de estenderem as suas mãos aos criadores nacionais que têm trazido soluções tecnológicas para a solução de vários problemas.
A “Estratégia para a prevenção das mordeduras de serpentes em Angola” é o trabalho com que a Faculdade de Medicina de Malanje da Universidade Lueji A’Nkonde ganhou na noite de sábado uma medalha de ouro, um feito que a estimula a continuar o estudo para a produção de um soro antiofídico (administrado a vítimas de mordedura de cobras) com venenos de serpentes existentes em Angola.
O estudo, pioneiro em Angola, é desenvolvido pela Faculdade de Medicina de Malanje pelo facto de no país os soros para dar assistência médica a vítimas de mordeduras de serpentes não terem na sua composição veneno de cobras que existem em Angola.
A médica Paula Oliveira, que representou na feira quatro projectos da Universidade Lueji A’Nkonde, dois dos quais do Centro de Investigação, Informação de Medicamentos e Toxicologia (CIMETOX), disse que o estado de saúde de uma vítima de mordedura de cobra pode agravar-se se lhe for aplicado um soro que não tenha o veneno que vai neutralizar o envenenamento.
A médica disse ser necessário que se ponha fim à importação de soros antiofídicos provenientes de países que não têm serpentes que existem em Angola e informou que os soros para Angola devem ser os “poli-especificos”, aqueles que têm na sua composição pelo menos três géneros de serpentes existentes em Angola – as bitis, as najas e as dendroaspis.
A delegação angolana apresentou na feira 19 projectos, tendo conquistado, além de duas medalhas de ouro, quatro medalhas de bronze e duas medalhas de prata. A segunda medalha de ouro foi conquistada por António Manuel Kawele, por ter recebido uma menção honrosa, considerada “uma alta distinção”, atribuída sempre pela empresa organizadora da feira a um dos projectos expostos. O projecto de António Manuel Kawele, denominado “Do lixo ao luxo”, foi escolhido de entre as 700 criações de 36 países presentes na edição deste ano da feira, sendo Angola e o Egipto os únicos países africanos que estiveram no evento.
Pelo seu trabalho, que é feito com material reciclável, o júri deu a António Manuel Kawele a medalha de prata, prémio também conquistado pela Universidade Agostinho Neto, através da Faculdade de Ciências, com o projecto “Palanquinha”, um jogo de corrida, sendo a personagem principal a Palanca Negra, e que tem como principal propósito a divulgação das paisagens naturais de Angola e a promoção dos símbolos nacionais. A Universidade Agostinho Neto, a primeira instituição de ensino superior em Angola, conquistou também uma das duas medalhas de bronze, por ter exposto um “Sistema Integrado de Emergências Médicas de Angola”.
O inventor Inácio Augusto é vencedor de duas medalhas de bronze pelos dois projectos expostos – uma bicicleta multifuncional e um dispositivo multifuncional para pessoas com deficiência física e visual e doentes. Inácio Augusto acrescenta as duas medalhas às nove conquistadas em quatro edições, tornando-se no inventor angolano mais premiado na feira alemã.
Ricardo Antunes Figueiredo, que já tinha recebido uma medalha de prata em 2013, com uma máquina de limpar janelas em grandes edifícios, ganhou este ano uma medalha de bronze, pelo aparelho que criou, que tem a funcionalidade de detectar derrame de petróleo nos oceanos.
O aparelho, concebido em 2014, impede, no caso de um derrame, que o petróleo suba à superfície e se espalhe, porque tira do fundo do oceano a água contaminada com petróleo, que é transferida para um petroleiro, de onde a água, depois de separada do petróleo, regressa ao mar já limpa, enquanto o petróleo permanece no navio.
O inventor, especialista em mecatrónica, disse que a intenção, com a sua criação, é permitir que os técnicos, enquanto estiverem a reparar a tubagem, trabalhem sem qualquer tipo de stress nem receio de que possa haver novos furos, uma vez que a transferência da água contaminada para o petroleiro facilita o trabalho de reparação. O inventor pediu, em declarações à comunicação social, no final da cerimónia de entrega de prémios, à classe empresarial que faça uma aposta séria na divulgação do que se cria em Angola, através da produção em grande escala dos projectos funcionais, para o mercado angolano e internacional.
António Manuel Kawele, com um reciclador de lixo, é um dos laureados que ganha pela primeira vez um prémio na feira, além de ter sido a primeira vez a expor em Nuremberga. Toda a delegação angolana alimentava, desde o primeiro dia da feira, a esperança de uma medalha para António Manuel Kawele, visto ter sido o seu trabalho de grande impacto ambiental bastante elogiado por membros do júri e por outras pessoas que olhavam com curiosidade e faziam perguntas sobre o material utilizado e os métodos utilizados para a produção das amostras que expôs, entre chinelas, pastas e garrafas, feitas com anilhas, tampões de pilhas, sacos plásticos e CD, encontrados no lixo.
Montra para o Mundo
A feira alemã, já com 67 anos de existência, tem sido uma montra onde centenas de criadores de vários países do mundo expõem as suas ideias destinadas a contribuir para o surgimento de novos produtos indispensáveis à sociedade moderna.
Angola participa desde 2009 e tem sido um país que apresenta anualmente projectos que despertam a curiosidade do júri e do público que se desloca ao pavilhão atraído pelas novidades, em termos de criações, que são levadas ao certame, por adultos, por crianças e por jovens criadores, muitos dos quais com aguçada mente criativa.
Lá aparece até o inimaginável. Desde ideias e protótipos simples aos mais arrojados, voltados para todas as áreas do conhecimento científico.
Sem desprimor para outros sectores, ficou subjacente, nos quatro dias da feira, a preocupação dos criadores em inventar soluções para o sector energético, considerado vital para o desenvolvimento das nações.
Uma das ideias mais realçadas é a apresentada pela delegação de Taiwan, que levou à feira alemã um sistema que produz 50 megawatts de energia eléctrica com recurso às teorias da energia cinética. A delegação de Taiwan recebeu, por este projecto, do Ministério da Ciência e Tecnologia, representada pelo director-geral do Centro Tecnológico Nacional, Gabriel Luís Miguel, a medalha “Ciência e Tecnologia”, que é atribuída, anualmente, na feira por Angola, a um projecto estrangeiro que esteja enquadrado nos sete pilares da Política Nacional de Ciências e Tecnologia: educação, saúde pública, energia e água, ambiente, tecnologia de informação e comunicação e petróleo e gás. “Todos os anos nós identificamos projectos de outros países que se alinham naquilo que são os grandes problemas que Angola vive actualmente”, disse Gabriel Luís Miguel, para quem o país ainda tem uma matriz energética por consolidar.
Um outro projecto que recebeu também uma distinção do Ministério da Ciência e Tecnologia é da autoria de jovens alemães, que criaram um sistema inovador para a lavagem de mãos, uma preocupação global por a falta de higiene básica pessoal ser uma fonte de doenças evitáveis.
O cônsul-geral de Angola em Frankfurt, Manuel Adão Domingos, que assistiu à cerimónia de galardoação, disse no final da feira: “A participação de Angola foi excelente e reflecte a força do nosso carácter como Nação.” O diplomata, que ofereceu no mesmo dia um jantar à delegação angolana em nome da Embaixada de Angola na Alemanha, reconheceu a qualidade da participação angolana. “Podemos verificar aqui que a nossa participação é motivo de orgulho porque participamos em pé de igualdade com países fortes, como a China”, acentuou o diplomata, que acrescentou: “Somos um povo que se empenha, um povo que realiza, que é resultante de uma força de carácter que é motivo de orgulho”.
Orgulhoso ficou o director-geral do Centro Tecnológico Nacional, Gabriel Luís Miguel, que, à semelhança das edições anteriores, foi incansável na tradução para alemão e inglês quando cada expositor nacional explicava a funcionalidade dos projectos que levou à feira aos exigentes membros do júri e aos visitantes, muitos dos quais permaneceram demoradamente no “stand” de Angola, que ocupou uma área de mais de 30 metros quadrados. “Estamos a produzir conhecimentos que além-fronteiras continuam a ser reconhecidos”, declarou o alto funcionário do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Gabriel Luís Miguel desejou “uma força bem grande àquelas instituições que ainda não tiveram a mesma coragem de apresentar os seus trabalhos na Feira do Inventor/Criador”, de cuja fase nacional saem os representantes de Angola na feira de Nuremberga, que, no próximo ano, vai ser realizada de 27 a 30 de Outubro. Até hoje, das 46 medalhas, oito dos quais arrebatadas ontem, Angola conquistou oito de ouro, 21 de bronze e 17 de prata.
Projectos bem sucedidos
Os angolanos aproveitam ao máximo a presença de centenas de expositores para a identificação de parcerias, um dos objectivos da realização de feiras internacionais.
O Ministério da Ciência e Tecnologia tem sido um intermediário no processo para serem respeitados os direitos adquiridos no âmbito das parcerias. Entre os inventos angolanos que mais despertaram a atenção na Alemanha até hoje conta-se um de Mabiala Damasco, falecido no ano passado, que pode vir a ser aproveitado por uma conhecida multinacional que produz pasta dentífrica e se destina a combater a cárie. O trabalho de Mabiala Francisco, que lhe valeu há dois anos uma medalha de bronze na Alemanha, foi distinguido pela Associação dos Inventores da Europa pela “grande utilidade para a sociedade do protótipo que criou”, concebido para fazer a queima de um tipo de semente do Norte de Angola que pode vir a tornar-se importante no combate à cárie.
Mabiala Damasco criou o protótipo por no Uíge e noutras províncias do norte de Angola a semente ser utilizada contra a cárie depois de queimada artesanalmente.
O protótipo que criou é um dispositivo, com um sistema de inalação, no qual as pessoas colocam a boca depois de introduzida a semente. As negociações com a multinacional foram prejudicadas com a morte do inventor, mas podem ser retomadas em breve, pois o Ministério da Ciência e Tecnologia mantém contactos com a família do inventor, que tem de autorizar a continuação do projecto para serem respeitados os direitos que Mabiala Damasco adquiriu com a invenção.
Adilson Costa é outro inventor angolano que viu a invenção reconhecida por uma empresa nacional. Trata-se de um software, a que ele chamou “Zuela 1.0”, que é um tradutor das palavras escritas em português para línguas nacionais.